A tribo San, conhecida como os primeiros povos da África, compartilha com os Hotentotes e várias outras etnias africanas uma narrativa sobre como a mensagem da morte e da mortalidade foi entregue à humanidade.

Os San contam que a lua enviou um Louva-a-deus ao homem com a seguinte mensagem: “Assim como eu morro, e ao morrer trago vida, vocês também morrerão, e ao morrerem trarão vida.”

O Louva-a-deus partiu com sua mensagem, mas, tendo pernas curtas e dificuldade para enxergar bem, perdeu-se várias vezes pelo caminho.

Um lebre curioso encontrou o Louva-a-deus e, ao ouvir sobre a importância da missão do inseto, pensou consigo mesmo: “Eu levarei esta mensagem por mim mesmo, e, sendo uma mensagem importante, me trará fama e glória.” Deixou o inseto para trás e saltou adiante.

No entanto, a lebre, por sua natureza distraída, logo deturpou a mensagem enquanto a repetia para si mesma ao correr. Chegou ao seu destino e proclamou sua versão da mensagem da lua para todos os homens na Terra:

“Assim como eu morro e pereço ao morrer, da mesma forma vocês também morrerão e terminarão completamente.”

Quando a lua soube desse erro na entrega das mensagens, pegou um bastão e atingiu a lebre com raiva, marcando seu nariz e lábio com um corte que permanece até hoje.

Em retaliação, a lebre arranhou a lua, deixando nela manchas e contusões. Alguns dizem, no entanto, que a lebre deixou a ponta de sua pele cair no fogo até que ficasse escaldante e, então, atingiu o rosto da lua com ela, causando as marcas escuras de ‘queimadura’ ainda visíveis hoje.

Os Hotentotes também acreditam nessa história. Eles desprezam a lebre e raramente comem sua carne. Dizem, porém, que foi o camaleão, e não o Louva-a-deus, que inicialmente levou a mensagem, e zombam de seu andar lento.

Os San também desconfiam do camaleão e, se encontram um morto em seu caminho, cobrem-no com galhos para evitar o azar.

Análise no Contexto Africano:

Esta lenda ilustra a rica tradição oral africana, oferecendo insights sobre as concepções de vida, morte e o ciclo eterno de renovação. O Louva-a-deus e a lebre simbolizam a responsabilidade e as consequências de nossas ações e palavras, enquanto a lua representa a autoridade e a ordem natural das coisas.

O erro da lebre na entrega da mensagem reflete o tema universal do mal-entendido e suas consequências, enquanto a reação da lua destaca a importância de corrigir os erros e a busca pela verdade.

Através desta narrativa, os San e Hotentotes transmitem valores culturais e ensinamentos morais, usando animais e elementos da natureza para explicar conceitos complexos como a morte e a imortalidade. A história também revela a reverência e o respeito pelas forças naturais e espirituais, fundamentais nas culturas africanas, e a crença na comunicação entre o divino e o terreno.

Além disso, a desconfiança dos San em relação ao camaleão e a aversão dos Hotentotes pela lebre ilustram como as crenças culturais podem influenciar as interações humanas com o mundo animal, refletindo a interconexão entre mitologia, comportamento social e práticas alimentares nas sociedades africanas.