As mitologias e lendas dos Hotentotes, assim como as dos Bosquímanos, são impregnadas de elementos solares e celestiais, refletindo uma conexão profunda com os fenômenos naturais e o cosmos.
A divindade suprema dos Hotentotes é conhecida pelo nome de Tsui-Goab, visto como um ser benevolente. A ele atribuem a criação do mundo africano, do homem e dos elementos. Tsui-Goab é o responsável por fazer prosperar as colheitas, além de garantir peles para vestimenta, saciedade e corações alegres aos Hotentotes.
Em contrapartida, Gaunab representa uma espécie de demônio vingativo, oposto a Tsui-Goab.
Tsui-Goab, também reverenciado pelos Khoi-Khoi, protagoniza as mais intrigantes histórias. Originalmente, diz-se que ele viveu muitas gerações atrás, sendo um velho curandeiro com um joelho quebrado, chamado U-tixo. Entre os Hotentotes, ele era reconhecido como um feiticeiro de grande habilidade.
Venerado por seu poder extraordinário em vida, foi invocado após sua morte como alguém que ainda podia oferecer ajuda e proteção. Com o tempo, transformou-se na figura que mais se aproxima de sua concepção de Deus.
Contam que U-tixo foi um poderoso chefe dos Khoi-Khoi, o primeiro de seu povo. Travou guerra contra um chefe maligno chamado Gaunab, responsável pela morte de muitos Khoi-Khoi. Após várias batalhas, nas quais U-tixo sempre saía vitorioso, tornando-se cada vez mais forte, ele finalmente derrotou Gaunab com um golpe mortal atrás da orelha. No entanto, Gaunab, ao morrer, atingiu o joelho de U-tixo, razão pela qual ele passou a ser chamado Tsui-Goab, ou “joelho ferido”.
Tsui-Goab era considerado um profeta capaz de realizar feitos maravilhosos. Morreu várias vezes, mas a cada retorno à vida era motivo para grandes festas e celebrações. Ele criou as nuvens, habitou-as e trouxe a chuva, garantindo, assim, abundância de gado e pastagens férteis.
Tsui-Goab reside em um céu repleto de luz e sol, enquanto Gaunab, o “destruidor”, habita um recanto sombrio, enviando o sono da morte aos homens. Tsui-Goab, a Aurora Vermelha, traz a luz e a vida.
Os Khoi-Khoi oram ao amanhecer, voltados para o leste, de onde surge a primeira luz de Tsui-Goab.
Análise no Contexto Africano:
Essa cosmologia Hotentote reflete a complexidade das crenças espirituais africanas, onde a natureza e os fenômenos celestiais são intrinsecamente ligados à vida cotidiana e à espiritualidade dos povos. A dualidade entre Tsui-Goab e Gaunab simboliza o eterno conflito entre o bem e o mal, a luz e a escuridão, a vida e a morte, temas universais presentes em muitas tradições religiosas e mitológicas ao redor do mundo.
A veneração a Tsui-Goab, especialmente ao amanhecer, ilustra a gratidão e a reverência dos Khoi-Khoi pela luz, pela vida e pelas bênçãos da natureza, enquanto a rejeição a Gaunab evidencia o medo e a resistência ao mal e à destruição. Essas práticas espirituais reforçam a conexão dos povos africanos com o ambiente, ensinando as gerações futuras sobre a importância de viver em harmonia com o mundo natural.
As histórias e superstições dos Hotentotes, portanto, não são apenas relatos fantásticos, mas também veículos de conhecimento cultural, espiritual e ambiental, fundamentais para a identidade e a continuidade cultural dos povos do sul da África.