Entre o povo Hotentote de outrora, a crença em espíritos malignos e fantasmas permeava o imaginário coletivo. A palavra “toor”, emprestada do africâner, que significa ‘enfeitiçar’, era frequentemente usada para descrever feiticeiros que, diferentemente dos adivinhos e curandeiros, empregavam seus conhecimentos ocultos para causar dano, não para o bem.

Esses feiticeiros, conhecidos como “naglopers” (andarilhos noturnos em africâner), realizavam seus atos maléficos sob o manto da noite. Homens e mulheres, acompanhados por corujas e babuínos – seus familiares – vagavam na escuridão, reunindo-se em locais secretos, assemelhando-se às bruxas europeias em seus covens.

Etnologistas afirmam que os Hotentotes só passaram a conhecer essas criaturas após o contato com os povos Bantu, adotando muitas de suas superstições.

Os andarilhos noturnos frequentemente se denunciavam ao tentar salvar uma coruja ou babuíno de serem mortos. Na calada da noite, aproximavam-se furtivamente das cabanas, caminhando para trás para que suas pegadas indicassem a direção oposta de seu destino. Os ocupantes das cabanas, incluindo os cães, caíam em um sono profundo, permitindo que os andarilhos executem seus atos perversos sem perturbação.

Crianças pequenas eram alvos particularmente desejáveis para esses seres nefastos, muitas sendo afetadas por doenças graves. Adultos também não escapavam de sua atenção maligna, com relatos de mulheres e homens sendo violados em seu sono.

Para proteção contra esses ataques, os Hotentotes frequentemente recorriam aos curandeiros Bantu. O tratamento geralmente envolvia incisões na pele, nas quais um medicamento era aplicado, provocando uma sensação de coceira e ardência que despertava o adormecido antes de ser molestado.

Uma estratégia para capturar um feiticeiro envolvia colocar um curry tratado com medicamentos na entrada da cabana. Caso um andarilho noturno tentasse entrar e pisasse no curry, ficaria preso até o amanhecer.

Para lidar com a sombra, considerada perigosa por conter magia nociva, alguns Hotentotes adotaram o hábito de levantar-se cedo, antes que o sol projetasse sombras, acreditando que assim se livrariam de malefícios adquiridos na véspera.

Análise no Contexto Africano:

As narrativas dos andarilhos noturnos refletem o profundo entrelaçamento entre o espiritual e o cotidiano nas culturas africanas. A distinção entre feiticeiros mal-intencionados e curandeiros benevolentes ressalta a complexidade do universo espiritual africano, onde o poder oculto pode ser usado tanto para cura quanto para malefício.

A incorporação de elementos Bantu nas crenças Hotentotes ilustra a dinâmica intercultural no continente, demonstrando como as tradições podem ser adaptadas e transformadas pelo contato entre diferentes povos.

Essas histórias, carregadas de simbolismo e ensinamentos, não apenas servem como veículo para a transmissão de valores culturais, mas também oferecem um olhar sobre as estratégias de proteção e cura desenvolvidas em resposta às adversidades espirituais. Elas evidenciam a riqueza da tradição oral africana, enfatizando a importância da comunidade e da proteção mútua contra forças invisíveis.