Dentro do vasto mosaico de culturas e tradições que compõem o continente africano, a cabaça emerge não apenas como um objeto de utilidade diária, mas também como um símbolo potente de cosmovisão e espiritualidade. Este fruto, pertencente à família das cucurbitáceas – que inclui o melão e a abóbora –, revela-se uma maravilha da natureza com sua casca resistente que, uma vez esvaziada da polpa macia, transforma-se em utensílios diversos como jarros de água e chocalhos musicais. Além do seu uso pragmático, a cabaça é frequentemente adornada com gravuras intricadas, representando figuras humanas, animais e répteis, evidenciando a rica tapeçaria artística africana.

Em Abomei, uma interpretação cosmológica singular atribui à cabaça uma analogia com o Universo. Esta visão descreve o cosmos como uma esfera divisível em duas metades, similar à forma como uma cabaça redonda é cortada ao meio. O horizonte, então, é imaginado como o ponto de união dessas duas metades, marcando o encontro místico entre o céu e o mar, um limiar além do alcance humano. Dentro dessa esfera cósmica, a Terra é percebida como uma entidade plana e flutuante, cercada por águas infinitas, tanto no horizonte quanto abaixo de seu solo. Esta noção é sustentada pela observação empírica de que, ao perfurar a terra, inevitavelmente encontra-se água, sugerindo que a água envolve toda a terra.

Nesse universo modelado à semelhança de uma cabaça, Sol, Lua e estrelas desfilam na abóbada celeste superior, em uma dança eterna que define o ritmo da existência. A criação deste cosmo, segundo as tradições de Abomei, foi a obra primordial de um Deus criador, cujo primeiro ato foi esculpir a Terra, demarcar o domínio das águas e selar a união das metades da cabaça cósmica. Uma cobra divina, símbolo de proteção e renovação, envolve-se ao redor da Terra, não apenas como um ato de consolidação física, mas também como um guardião da ordem estabelecida, guiando o Criador pelos diversos cantos do mundo para assegurar a harmonia e o equilíbrio.

Análise no Contexto Africano

A narrativa da Cabaça Universal reflete profundamente sobre a interconexão entre o homem, a natureza e o divino, um tema recorrente nas cosmologias africanas. A escolha da cabaça como metáfora do universo não é acidental; ela encapsula a essência da vida, da sustentabilidade e da recriação, elementos fundamentais para a compreensão africana do mundo.

Essa cosmovisão ressalta a sabedoria intrínseca das culturas africanas em observar e interpretar os fenômenos naturais, integrando-os em um sistema de crenças que valoriza tanto a espiritualidade quanto a pragmática da existência. A figura da cobra divina, frequentemente associada à sabedoria, renovação e proteção em diversas culturas, aqui simboliza a força que mantém a coesão do cosmos, reiterando a crença na interdependência de todas as coisas.

Por fim, a história da Cabaça Universal não é apenas uma explicação sobre as origens do cosmos segundo os Dogons, mas também um lembrete da riqueza e da complexidade do patrimônio cultural africano, oferecendo insights sobre como antigas civilizações concebiam sua existência e lugar no universo. Ao contemplar essa narrativa, somos convidados a refletir sobre as diversas maneiras como a humanidade busca entender e narrar sua relação com o mundo, reafirmando a importância da diversidade cultural e espiritual na tapeçaria global da compreensão humana.