No panteão das mitologias africanas, o mito da criação Boshongo ocupa um lugar singular, narrando a origem do universo e dos seres vivos a partir da ação de uma divindade suprema. Este mito, originário do povo Boshongo, residente no que hoje conhecemos como República Democrática do Congo, oferece uma visão profunda sobre a cosmogonia africana.
No início, existiam apenas as trevas, as águas primordiais e o grande deus Bumba. Certo dia, Bumba, sofrendo de uma intensa dor de estômago, vomitou o sol. O sol, com seu calor abrasador, secou parte das águas, revelando as terras africanas, que se estendiam desoladas e vazias.
Ainda atormentado pela dor, Bumba deu origem à lua, às estrelas e, em seguida, a alguns animais: o leopardo, representando a astúcia; o crocodilo, simbolizando a força e a adaptação; e a tartaruga, metaforizando a sabedoria e a longevidade.
Com o passar do tempo, a agonia de Bumba persistiu, levando-o a expelir homens. Entre eles, apenas um, chamado Yoko Lima, era branco como Bumba, destacando-se dos demais.
Análise no Contexto Africano
O mito da criação Boshongo reflete a visão complexa que os povos africanos têm sobre o cosmos, onde o divino interage diretamente com o mundo material, moldando a realidade através de seus atos. A figura de Bumba, ao sofrer e criar o mundo a partir de sua dor, revela uma interpretação singular sobre o sofrimento como força criativa, ressaltando a ideia de que a vida e o universo são frutos de processos transformadores e, por vezes, dolorosos.
A criação de animais antes dos seres humanos sublinha a importância da fauna na cosmovisão africana, reconhecendo os animais não apenas como habitantes do mundo, mas como entidades significativas, carregadas de simbolismo e ensinamentos vitais para a compreensão da existência humana.
A menção de Yoko Lima, o único homem criado à semelhança de Bumba, pode ser interpretada sob várias óticas. Pode simbolizar a diversidade da humanidade e a origem comum de todos os seres humanos, independente de cor ou aparência, ou ainda, destacar a singularidade e a sacralidade de cada vida humana, como reflexo direto do divino.
Esse mito não apenas fornece explicações sobre a origem do mundo e dos seres vivos, mas também transmite valores culturais profundos, como a interconexão entre todos os elementos da criação, a reverência pela natureza e a presença do sagrado no cotidiano das comunidades africanas. Através dessas narrativas, os povos africanos compartilham uma sabedoria ancestral que continua a inspirar e a orientar suas vidas, reforçando a riqueza e a diversidade do patrimônio imaterial africano.