O mito da criação Dogon, oriundo do povo Dogon do Mali, é uma complexa tapeçaria que tece as origens do universo, da Terra e da humanidade. Embora seja intricado em seus detalhes, o cerne dessa narrativa africana pode ser resumido da seguinte forma.
No início dos tempos, Amma, o céu, que os Dogon também veneram como o criador supremo, deu forma ao universo. Amma não era apenas uma divindade celestial, mas a fonte primordial de toda criação, manifestando-se na criação da Terra e unindo-se imediatamente a ela.
As estrelas no firmamento são vistas como representações das diversas partes do corpo de Amma, com a constelação de Órion sendo referida como “amma bolo boy tolo”, ou “o assento do Céu”, também conhecido como “o umbigo de Amma”.
Em um ato que dividiu sua essência, Amma gerou Ogo, símbolo do caos. Ogo desceu à Terra em uma arca, navegando pela Via Láctea, que serve de ponte entre o Céu e a Terra, semeando desordem em seu caminho.
Para restabelecer o equilíbrio, Amma criou Nommo, um representante da ordem, e lhe deu oito assistentes, formados por quatro casais de gêmeos. Esses oito seriam os ancestrais da humanidade, descendo à Terra em uma arca, igualmente forjada por Amma. A arca, suspensa no céu por uma corrente de cobre, flutuava até a Terra, assim como o Sol percorre o céu e se põe no oeste.
Curiosamente, os Dogon mantêm uma representação dessa arca em cada lar para fins rituais, tecida a partir de folhas secas em forma de cesto com o aspecto de um barco.
Amma deu vida às estrelas arremessando pelotas de terra ao espaço. O sol e a lua foram criados a partir de dois tigelas de cerâmica branca, uma cercada por cobre vermelho e a outra por cobre branco.
Segundo os Dogon, “os negros nasceram sob o sol e os brancos sob a lua”, uma citação de L.V.Thomas na obra “Les Religions de L’Afrique noire”, Paris, 1969.
Análise no Contexto Africano:
Este mito reflete a cosmovisão Dogon sobre a dualidade entre ordem e caos, a interconexão entre o céu e a Terra, e a origem divina da humanidade. A utilização de arca como veículo de transição entre mundos destaca a crença na viagem espiritual e na transformação.
A criação dos gêmeos, os ancestrais da humanidade, enfatiza a importância da dualidade e da complementaridade na cultura Dogon, assim como em muitas outras tradições africanas. A associação entre corpos celestes e a diversidade humana ilustra uma tentativa de explicar a variedade étnica e cultural dentro de um contexto mítico e espiritual.
O mito da criação Dogon, portanto, é um exemplo notável de como os povos africanos buscam compreender e narrar as complexidades do universo. Ele serve não apenas como um registro da herança cultural do povo Dogon, mas também como um meio de transmitir valores, ensinamentos e a profunda reverência pela natureza e pelo cosmos.