Na imensidão do Kalahari, sob a luz de uma lua vermelha ascendente, as histórias do povo San sobre o sol, a lua e as estrelas tecem a trama do universo. Contos ancestrais revelam uma cosmologia rica, onde os corpos celestes não são meros objetos no céu, mas entidades vivas, com suas próprias histórias, desejos e destinos.

Uma dessas histórias narra que o sol era uma vez um homem, cujas axilas irradiavam raios de luz. Ele vivia solitário em uma cabana, iluminando apenas a si mesmo. Crianças dos primeiros Bosquímanos foram incumbidas de lançá-lo ao alto no céu, de onde ele agora brilha para todos. À noite, ele se cobre com seu manto de escuridão para se aquecer. Este manto, repleto de pequenos buracos, permite que, mesmo à noite, o sol brilhe através deles, criando as estrelas.

Outro conto descreve uma jovem solitária esperando o retorno de seus companheiros caçadores. Para iluminar o caminho deles na escuridão da noite, ela lança ao ar um punhado de cinzas brancas de madeira, que se transformam nas estrelas da Via Láctea, guiando os caçadores de volta ao lar, mesmo nas noites sem lua.

Há também a história de que a lua é na verdade um velho sapato do Louva-a-deus, perdido enquanto ele fazia recados para os deuses. Quando ela surge nas noites de verão, sua cor vermelha vem da poeira vermelha do Kalahari, e seu frio lembra o couro antigo. Diz-se que o sol sente ciúmes da lua cheia, desafiando seu brilho. Assim, com seus raios afiados, o sol vai cortando pedaços da lua, até restar apenas um pequeno pedaço, e a velha lua clama: “Oh! Oh! Deixem um pouco de espinha dorsal para as crianças!” Então, o sol se afasta, e a lua começa a crescer novamente, até retornar ao seu tamanho normal, e o ciclo se reinicia.

Alguns contam que, quando a lua é nova e parece oca, ela está carregada com os espíritos dos mortos. As nuvens que passam são, na verdade, os cabelos dos mortos, e o vento sopra para varrer as pegadas deles da areia.

Os Bushmen acreditam que o mundo foi criado pelos espíritos que os cercam. Cada conto que narram brota de seu interior e, como diz Chrigi do Clã San, “Sempre há um sonho, sonhando conosco!”

Sem uma história, um Bosquímano está sem lar.

Análise no Contexto Africano

Estas narrativas dos San não são apenas entretenimento; elas constituem uma forma de expressão cultural que transmite conhecimentos, valores e a cosmovisão deste povo. Através destes contos, os San articulam sua compreensão do universo, suas crenças espirituais e a relação intrínseca que mantêm com a natureza.

Ao personificar elementos naturais como o sol e a lua, os San enfatizam a interconexão de todos os seres vivos e a dependência mútua entre humanos, natureza e o espiritual. Essas histórias refletem a reverência pelos mistérios do cosmos, a aceitação da transitoriedade da vida e a crença na continuidade espiritual após a morte.

Neste contexto, a cultura San, uma das mais antigas da humanidade, oferece lições valiosas sobre sustentabilidade, respeito ao meio ambiente e a importância de viver em harmonia com o mundo ao redor. As histórias dos San são um lembrete poderoso da riqueza das tradições orais africanas e de seu papel vital na preservação da identidade cultural e do patrimônio imaterial da humanidade.